Para que cantamos?


Por: Taynara Sousa

Talvez seja para festejar, declarar a um amor, para dançar, ou simplesmente para cantar... Santo Agostinho em uma conversa com seu filho Adeodato, fez esta pergunta “para que cantamos?”, o filho não soube responder e perguntou “para que cantamos papai?” Agostinho respondeu “cantamos para recordar”. O Santo se referia a uma técnica chamada tropo, utilizada para recordar os textos através das melodias e as melodias através dos textos. A música na liturgia tem esta função de recordar, trazer de volta ao coração, lembrar o amor de Deus para com o seu povo e de forma simples e humana, louvar e recordar a Deus o seu amor (mesmo que Ele nunca esqueça!) como diz o salmista “levante-te, Deus, nós cantaremos e tocaremos ao teu poder”.


A música sempre esteve presente. Desde o Antigo testamento, o povo de Deus, após ver as grandes maravilhas do Senhor, no episódio da libertação do cativeiro do Egito, cantava para exaltar a grandeza de Deus. Na Santa Missa não é diferente, podemos pensar na oração do Santo. Neste momento o céu e a terra se unem “em uma só voz” para louvar o três vezes Santo (Deus Pai). Aqui já podemos entender o motivo que esta oração quando cantada deve seguir fielmente a oração do Missal.

Já no Novo Testamento, Maria Santíssima, na visita a sua prima Isabel, não poderia se expressar de outra forma: era muita felicidade! Algo grandioso! Uma eternidade dentro do seu ventre! O nosso céu estava nela! A esperança do mundo! Muito maior que a libertação do povo do Egito... Era necessário mais que falar... Era preciso cantar a palavra, então Maria cantou. Não poderia ser de outra forma. É emocionante imaginar que o colo de Maria Santíssima e as suas doces canções, fizeram o menino Deus adormecer. A música é elevada no seu mais alto nível, quando esta embala as coisas do eterno. A música foi feita para o eterno.

A música aquece o coração e ajuda a alma se render ao amor de Deus. Engana-se quem acha que já não há o que refletir sobre a música litúrgica, que os documentos já disseram tudo. Os documentos nos dão orientações que devem ser estudadas e acolhidas com muito zelo, porém, a música sempre refletirá a espiritualidade e a cultura dos seus emissores. Muitos falam “precisamos de boa música nas missas”, ou “a melhor música e do compositor X ou Y, feita no período Z ou pela comunidade D”... Contudo, gostaria de convidar você, caro leitor, a conversarmos não sobre os melhores parâmetros para a música na liturgia, o que daria muita discussão, mas a refletir “qual seria a melhor atitude de um músico?”, mas não um músico comum: um músico católico, que exerce um verdadeiro ministério na Santa Missa e que por meio da sua música busca louvar a Deus e ajudar os irmãos a elevar o seu coração ao Divino.

A atitude que eu gostaria de propor para refletirmos (e precisa ser a primeira, deixar essa para outra colocação pode ser perigoso) é a humildade. Quando chegamos em nossas paróquias, geralmente encontramos pessoas que exercem o serviço na música, e é comum dentro de nossos grupos de liturgia as divergências, principalmente quando ocorre uma correção fraterna. O músico tende a se sentir humilhado... Para isso, é necessário humildade, seja na correção, seja na escuta. A humildade nos ajuda a aprender com o outro, mesmo que este outro aparentemente não tenha nada a me ensinar. A humildade também nos ajuda a enxergar a comunidade que está ali celebrando, fazer coisas tecnicamente difíceis, (a polifonia mais enrolada, o canto gregoriano mais melismático possível...), mas que soe totalmente sem sentido, pode atrapalhar a assembleia, isto é grave! Da mesma forma que cantar músicas que em nada se encaixam para o momento da Santa Missa, em nome de agradar a assembleia celebrante, como se o Cristo não fosse o centro da liturgia, é mais grave ainda! Para isso, meus irmãos, a Igreja nos convida ao bom senso. Mas como ter bom senso sem saber o que os documentos nos orientam? É imprescindível o estudo para entender o Espírito da Liturgia. E para que estudar se faltar a humildade e cair na arrogância  intelectual ao ponto de não ver a Deus nas coisas simples? Coisas estas que muitas vezes nos comovem, mas por orgulho podemos fingir não enxergar a Deus. Enquanto não houver vontade de servir a Deus com uma verdadeira humildade, a Igreja dará caminhos em seus documentos que serão ignorados pela grande maioria dos nossos músicos.

A humildade, os estudos (não só das técnicas musicais, mas dos documentos que nos falam sobre liturgia) e o bom senso nos ajudarão a fazer boas escolhas para melhor celebrar o mistério da Santa Missa... Vale lembrar que em toda Santa Missa celebramos o sacrifício do nosso Santíssimo Redentor, isto nos faz entender que em hipótese alguma podemos pensar a música na Santa Missa como um entretenimento para a assembleia. O Motu Proprio Tra Le Sollicitudini de Pio X, assim como a Constituição Sacrosanctum Concilium do Concilio Vaticano II não deixam dúvidas que é preciso ter PRUDÊNCIA na escolha dos cânticos, estes devem ajudar a alma a alcançar uma verdadeira contrição e se preparar para o encontro com o amado. A Igreja no seu zelo e amor de mãe nos coloca como grande modelo o canto gregoriano que é justamente O CANTO OFICIAL DA IGREJA.

Outra orientação que me parece bem relevante para verdadeiramente conseguirmos cantar a Missa e não cantar na Missa é a observação das antífonas do dia, que podem ser encontradas no Missal... Caso você não saiba manusear o Missal, ou até mesmo não saiba o que é Missal, não se apavore! Peça ajuda do seu pároco ou até mesmo do sacristão, acólito ou coroinha. Cuidado com os “liturgistas”, nem toda a formação litúrgica é segura, cuidado também com a pressa na hora de propor as mudanças. Não fique desanimado caso o repertório que você canta não seja aquilo que a Igreja propõe. Mude aos poucos, com paciência, para evitar o desânimo. Mas não deixe de tentar! Anime o seu ministério para fazer o mesmo: rezar (a primeira mudança é do coração), estudar e aumentar o repertório. Pode parecer difícil no começo, mas com oração, humildade e vontade tudo dará certo. Caso os irmãos paroquianos perguntem “de onde você tirou esse canto?” Nada se chateação ou desânimo! Fale com alegria e humildade que você e seu ministério/grupo litúrgico estão se dedicando a estudar este novo repertório e tenha a paciência de explicar/conversar sobre, assim você ajudará o Povo de Deus a amar e a entender a música litúrgica.

Aconselho o Livro o “Espírito da Música” que é um pedaço de uma obra do Papa Bento XVI, além dos estudos dos documentos: Motu Proprio Tra Le Sollicitudini de Pio X, Carta Encíclica Mediador Dei e Musicae Sacrae Disciplina do Papa Pio XII, Constituição Sacrosanctum Concilium do Concilio Vaticano II. É bom seguir uma ordem, pois vejo pessoas comparando o Motu Proprio Tra Le Sollicitudini com a Sacrosanctum Concilium sem considerar o processo que ocorreu. Isto pode causar interpretações equivocadas.

Para os que têm interesse em se aprofundar na leitura do canto gregoriano (neumas) um livro importante é o de Dom Eugène Cardine Primeiro Ano de Canto Gregoriano e Semiologia Gregoriana. É importante conhecer também a história de Santa Hildegarda, monja da Idade Média e grande compositora, sua vida cristã pode nos ajudar bastante. Que Deus nos ilumine e que “Non nobis Domine, non nobis, sed nomine tuo da gloriam”, “Não a nós Senhor, não a nós, mas ao Teu nome seja dada a glória”.

A autora do texto é natural de Ponta de Pedras (PA). Atualmente cursa o 5° semestre da licenciatura em música pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). O artigo foi escrito para o blog Rainha dos Céus.

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