Círio: sentimentos! Mas só?


A corda do Círio, um dos símbolos que despertam mais reações emocionais nas pessoas.

Olá, meu irmão e minha irmã, o Círio chegou! Que beleza! Mas, como sabemos, a festa é sempre precedida de uma boa preparação, seja na dimensão religiosa, seja na dimensão cultural. É assim com a Páscoa, é assim com o Natal. Obviamente que não pretendo equiparar o Círio ao Natal e à Páscoa! Ambos referem-se a mistérios essenciais da nossa salvação: no Natal celebramos o verbo humanado, Deus que se fez homem; na Páscoa celebramos a vitória do Senhor sobre a morte, a passagem da morte à vida. Mas, em todo caso, embora o Círio não encerre essas dimensões, nosso coração fica enternecido pela presença da Mãe entre nós. Por isso, já há algumas semanas, podemos notar uma mudança de clima. Nas feiras, já estão os ingredientes prontos para a maniçoba e para o pato no tucupi. Já percebemos as famosas camisas do Círio circular pelas ruas com os vendedores ambulantes. As casas, já nas portas, os cartazes do Círio, e ao mesmo tempo as famílias já se preparam para receber os parentes, para o tradicional almoço do Círio. Os meios de comunicação fazem reportagens e matérias sobre a fé, ou melhor, sobre a emoção da fé.

Tudo muito emocionante. Mas... Só? Explico: não há como negar que o Círio, e tudo o que se refere a essa bela festa, toca o coração ou a emoção de todos nós. Mas confesso que me preocupa reduzir tudo à emoção. Nesse sentido, falar de fé parece ser falar de emoção, ou mais precisamente de sentimentos.

Padre Luiz Fernando Cintra, adaptando o conceito aristotélico de sentimento, explica: “podemos dizer que os sentimentos são movimentos da sensibilidade que nos levam a aproximar-nos de coisas que consideramos ou imaginamos como um bem, ou a afastarmo-nos daqueles que representam um mal”. (o sentimentalismo pag. 5).

Os problemas não são os sentimentos que temos, ou que o Círio nos provoca. Vejo com preocupação o reducionismo, isto é, vejo com preocupação reduzir o Círio ao sentimentalismo, proporcionando a fomentação de uma sociedade sentimental. Segundo o padre Cintra, “o sentimentalismo leva as pessoas a só pensarem em si mesmas; eu sinto, eu não gosto, isto me desagrada. Supervalorizam-se as reações pessoais com o decorrente desprezo pelos sentimentos alheios. E, então, não é de admirar que brotem em cascata as consequências negativas” (Idem. pag. 11).

O Círio é uma realidade que, ao final das contas, deve nos fortalecer no processo de conversão. Deve motivar nosso empenho de conversão. O Círio é uma expressão de piedade popular: “O senso religioso do povo cristão encontrou, em todas as épocas, sua expressão em formas diversas de piedade que circundam a vida sacramental da Igreja, como a veneração das relíquias, visitas a santuários, peregrinações, procissões, vias sacras, danças religiosas, os rosários, as medalhas, etc.” (CIC 1674).

A corda, as promessas, o almoço, os cânticos, os encontros em família, a procissão em si... tudo deve ajudar nosso processo  de conversão. Alguma vez você já parou e se perguntou o que tanto o atrai em Nossa Senhora? Permita-me arriscar uma resposta: a santidade! Sim, o que nos encanta em Maria é o fato de ela ser plena de graça, toda santa. A beleza nos atrai, é a verdadeira beleza, a mais profunda, a mais genuína beleza, esta santidade que é o amor manifestado em virtudes.


Além da procissão principal, muitas outras procissões são realizadas no conjunto da festa do Círio: Círio das Crianças, Romaria dos Corredores, Motorromaria, Romaria Fluvial, Trasladação e outros. Em todas elas, milhares, milhões de pessoas se fazem presentes e olham a pequena imagem. No entanto, buscam algo para além da imagem: a santidade da Mãe de Deus e nossa. Ora, a santidade implica num caminho de conversão e, logicamente, de esforço. Não seria esse esforço representado pela corda, pelas promessas, pelos atos de solidariedade? Aqui, meu irmão e minha irmã, somos convidados a lançar um olhar para além do âmbito sentimental e compreender que cada gesto simbólico que o Círio comporta é um clamor íntimo de nossa alma pela santidade. Certamente, você que está lendo estas linhas já vivenciou alguns Círios (muitos Círios). O que tem prevalecido é o sentimentalismo? Como saber? Se me permitir dou uma dica: se você participa com emoção, alegria, chora e se comove e, no entanto, não cresce em intimidade com Deus, não se torna mais solidário, generoso, não cresce em misericórdia, não se torna mais compreensivo com as limitações do próximo, não tem apreço por crescerem em virtudes, lamento dizer, mas ficou na superficialidade emocional, no sentimentalismo.

Sigamos em frente pensando com a Igreja no serviço da verdade. Tenham um feliz Círio na companhia de Nossa Senhora e São José.


O professor Ricardino Lassadier é graduado em filosofia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), com especialização em filosofia também pela UFPA e especialização em teologia pelo Centro Universitário do Pará (CESUPA). É membro do corpo docente da Faculdade Católica de Belém.


Comentários

  1. Muito boa essa matéria. De fato, as vezes a participação em festas religiosas acaba fomentando apenas o emocionalismo exagerado e não fortifica as pessoas espiritualmente , o que é muito importante q aconteça.

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  2. Eu vejo que quando a gente coloca o impulso na frente, não recebemos bons resultados espirituais. o Sentimentalismo impede que cresçamos na vida de fé. Muito o artigo, parabéns a quem escreveu.

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  3. Professor, parabéns pelo artigo, mas eu vejo que o ponto principal da nossa vida é o equilíbrio, nós devemos buscá-lo, de forma que possamos conseguir levar a vida se exageros. Eu vejo que o problema não está no sentimentalismo, mas em exagerar neles.

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