A identidade do presbítero em uma perspectiva psicológica

 Por: Pe. Antonio Cardoso
De acordo com alguns autores, o ser humano realiza quatro nascimentos: celular, físico, psicológico e social. Aqui vamos nos deter no nascimento psicológico, pois no momento é o que nos interessa para falar do tema pretendido.

O nascimento psicológico: ocorre quase simultâneo ao nascimento físico. A criança, de princípio, possui meras reações emocionais. Não existe ainda uma percepção e um pensamento organizados. A criança passa da sensação diretamente para a emoção: se sente fome, ela chora, se sente sono, ela dorme.

Aos poucos, a criança vai adquirindo certa capacidade de elaboração mental, em decorrência da interferência de fatores experienciais. Este seria, digamos, um processo normal do desenvolvimento psicológico do ser humano.

Entretanto, existem acontecimentos importantes na vida da criança que podem afetar a marcha normal do desenvolvimento de sua personalidade: desmame, orfandade, nascimento de um irmão, mudança de residência, problema conjugal dos pais, êxitos e fracassos escolares, abandonos, maus tratos.

Para que a personalidade do indivíduo não fique prejudicada por estes traumas, é necessário que a criança receba atenção especial nesses momentos críticos. Essas situações e outras vividas na infância são marcantes para a formação da personalidade do indivíduo e para a construção de sua identidade. Quando o indivíduo chega à fase da adolescência, ele deve começar a construir a sua própria identidade.

 A tarefa do adolescente, agora, consiste em conquistar e atribuir-se um novo lugar, a partir do qual poderá desenvolver-se como pessoa. Esse novo lugar não deve ser simplesmente reconhecido pelos outros, concedido ou doado, deve ser um lugar descoberto e tomado como próprio pelo indivíduo. Implica estar consciente de si mesmo como sujeito de sua atividade e fonte da qual flui o que lhe é próprio.

O desenvolvimento da identidade pessoal é um processo lento e gradual que começa na concepção e implica um autoconhecimento.
            
Devemos compreender que o sujeito está consciente, até certo ponto, de si e de suas possibilidades e capacidades. Porém, o mais próprio e íntimo de sua pessoa lhe é desconhecido e só se revelará com o tempo, no decorrer dos ciclos vitais.
            
A formação da identidade na adolescência realiza-se a partir das identificações anteriores, infantis, que se integram a outros fatores.
            
As identificações com os pais mantém seu significado, embora sejam acrescentadas a elas identificações com figuras ideais, como amigos,  e até com inimigos (identificação com o agressor temido).
           
Um psiquiatra norte-americano chamado Theodore Lidz afirma que a formação da identidade não só estabelece identificações com pessoas, mas também com grupos, e é exatamente na adolescência que estas últimas adquirem significado. Assim, portanto, se dá a identificação do adolescente com o grupo religioso e a possibilidade do surgimento da vocação sacerdotal.
            
O ser humano sempre se preocupou consigo mesmo. Aliás, esta preocupação é uma das características que o distingue dos outros seres. Podemos dizer que o homem de todas as épocas sempre se pôs esta interrogação: quem sou?
            
Dentre as muitas respostas que surgiram para definir o ser humano, destaca-se uma que consideramos essencial para compreender a identidade do presbítero nesta perspectiva psicológica. “o ser humano é um ser em relação”.
            
A conceituação do ser humano em termos de sociabilidade sugere que ele é um ser em situação de relacionamento tridimensional: relação consigo mesmo, relação com os outros e relação com a transcendência.
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.      Relação consigo mesmo: Esta relação se define em termos gerais de harmonia e de equilíbrio internos que dependem basicamente de fatores como a consciência de si, conceito de si, autocrítica e autoavaliação.

O ser humano pode estabelecer consigo mesmo uma relação boa ou uma relação doentia. A qualidade dessa relação não depende, porém, de sua boa ou má vontade. Trata-se de um complicado processo intrapsíquico onde diversos fatores estão envolvidos.
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.      Relação com os outros: O ser humano, por sua própria natureza, se classifica entre os seres gregários. Portanto, quando surgem no indivíduo atitudes de separação e isolamento supõe-se que existe algo de anormal e patológico.

    O processo social do ser humano tem início logo após o nascimento. O choro do bebê é uma mensagem em código dirigida à mãe. Decifrada, aparece na seguinte forma: “Eu sinto alguma necessidade. Não sei bem o que é, mas eu não posso resolver o problema que me incomoda. Sei que tu me podes ajudar. Eu preciso de ti. Quero ser acolhido, amparado, ajudado...”
            
Todas as mães, instintivamente, sabem decifrar esta mensagem infantil. Sempre estão prontas a socorrer o filho necessitado.
            
Aos poucos, o filho começa a retribuir a atenção, o carinho, dado pela mãe através do olhar e do sorriso. A retribuição se torna gradativamente mais organizada e mais eloquente como mensagem social.
            
Assim como a criança recém-nascida não poderia sobreviver sem um adequado relacionamento com a mãe, a pessoa de qualquer idade sempre fica seriamente comprometida em seu equilíbrio psicobiológico se não conseguir estabelecer e manter uma conveniente relação com os outros.
            
Relacionar-se bem significa sentir-se satisfatoriamente entrosado com os outros. O relacionamento é mais intenso no interior do grupo natural: família, grupo de amigos, comunidade religiosa, etc. Mas é aí também que ocorrem os desajustamentos sociais e emocionais.
            
O fato de a pessoa se relacionar mal com os membros de seu grupo constitui geralmente sintoma de desajustamento emocional, se não, de mais séria perturbação intrapsíquica.
            
Os condicionamentos de um comportamento social inaceitável muitas vezes são extremamente complexos e geralmente se originam de traumáticas experiências infantis.
           
Em certos casos, somente uma bem conduzida psicoterapia pode lograr algum êxito na mudança desejada.
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.    Relação com Deus:Na história da humanidade e em todos os povos se verifica uma terceira constante da relação do ser humano, que é a relação com Deus.
            
Sigmund Freud, considerado o pai da Psicanálise, fala do fenômeno religioso como uma expressão psicológica da necessidade de proteção e de amparo do homem diante da verificação de sua grande fragilidade frente às agressões dos elementos da natureza circundante.
            
Ele explica ainda que Deus representa somente uma imagem antropomórfica do próprio pai vivenciado como ser onipotente e autoritário, dono da vida e da morte.
            
Por um motivo de segurança o homem teria necessidade de se assegurar, a cada momento, na benevolência do pai todo poderoso. Esta benevolência, diz Freud, o homem vai conseguir através da prática de atos religiosos com sentido de expiação das culpas, de humilde submissão, de pedido de amparo, de proteção.
            
Na medida, porém, em que o homem atingir o nível científico e estiver suficientemente fortalecido pelas suas próprias capacidades, ele não precisaria mais estabelecer esta relação com Deus. Nesta perspectiva freudiana, Deus, portanto, seria algo superado pelo homem científico.
            
Não se pode, no entanto, levar a sério este pensamento de Freud no que diz respeito à religião. Um exame mais aprofundado da questão leva-nos a admitir que Deus faz parte da existência do ser humano. Deus, de fato, constitui um dos pontos de referência que lhe permite um razoável equilíbrio existencial.
            
Assim como o conceito do EU representa a solução da sua tensão nuclear, o OUTRO a da sua tensão social, Deus representa a solução para a sua natural tensão para a transcendentalidade.
            
Deus é tão necessário na vida do ser humano quanto lhe é ele próprio e os seus semelhantes. A perda de qualquer um dos três pontos de referência (EU, TU, DEUS) acaba com o homem como ser normal.
            
Um relacionamento positivo consigo mesmo, com os outros e com Deus é garantia de tranquilidade interna e de paz e, portanto, de liberdade interior. Quem tem um relacionamento positivo baseado neste tripé tende a ser uma pessoa empreendedora, criativa, de eficiência social, otimista e magnânima.
            
Um mau relacionamento com Deus, com os outros ou consigo mesmo inibe as tendências nobres do ser humano e desencadeia forças de destruição que se dirigem contra os outros e contra si mesmo. O homem isolado, sem Deus e sem ninguém ou com um Deus inimigo, deixa de viver. Perde a noção dos valores nobres e se orienta na vida como um animal acossado por outros animais. É covarde e omisso.
           
O ser humano integral é um ser em evolução que tende para a perfeição. Eventuais fracassos e falhas não o retém nesse processo de contínua superação de si mesmo.

O autor do artigo é sacerdote da Diocese de Ponta de Pedras. Graduado em filosofia e teologia pelo antigo Instituto Regional de Formação Presbiteral (IRFP N2) e em psicologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Atualmente exerce o ofício de vigário geral e reitor do Seminário Maior Nossa Senhora da Assunção.


Comentários

  1. Muito bom o sacerdócio é uma bênção de Deus para a nossa sociedade.

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  2. Muito bom, dá pra ver que a relação com Deus e sempre a mais importante, por que a partir dela é que nos relacionamos bem conosco mesmo e com os outros.

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