As anunciações e o Magnificat

 



Sem. Rubens Evangelista Reis
4Ano de Teologia


 INTRODUÇÃO

Ao iniciar o mês mariano somos convidados a refletir sobre aquela que é Mãe de Deus e nossa, a santíssima Virgem Maria, assim como sobre personagens importantes da História da Salvação, de modo particular, nesta reflexão: Zacarias e Isabel. Neste pequeno artigo será apresentada uma reflexão dos textos que tratam tanto do anúncio do nascimento de João (Lc 1,5-25), como também do anúncio do nascimento de Jesus à Virgem Maria (Lc 1,26-38), o intuito é fazer uma análise comparativa de ambas as perícopes/textos. Além disso, será apresentada a exegese e reflexão do Magnificat (Lc 1,46-55). Esses textos estão presentes somente no Ev. de Lucas, uma vez que ele usa uma fonte diferente. É bom recordar que: “na literatura do Novo Testamento, por muitas razões, a obra de Lucas é original. Enquanto Mateus, Marcos e João se concentram, aparentemente, apenas na vida de Jesus, Lucas divide seu trabalho em dois volumes, o evangelho e os Atos; distingue-se, assim, com maior clareza, o tempo de Jesus e os primórdios da Igreja” (BOVON, 1985, p. 203).

 

1. ANÚNCIO DO NASCIMENTO DE JOÃO BATISTA (Lc 1,5-25) E DE JESUS CRISTO (Lc 1,26-38)

Pode-se dizer que Lucas, em seu evangelho, dá um destaque importante a João Batista, não somente à sua pregação, mas também ao anúncio dessa figura importante que seria o precursor do Messias, isso é interessante porque cada evangelista tem adendos peculiares que nos fazem compreender a importância de certos personagens da História da Salvação, há quem diga que João é o último dos profetas do Antigo Testamento. Ao ver Lc 1,5-25 percebemos que “Lucas consagra um longo capítulo ao nascimento de João Batista: à anunciação de Zacarias, na Judéia, corresponde, simetricamente, o anúncio de Maria, na Galiléia” (BOVON, 1985, p. 215).

Ao adentrarmos propriamente no texto percebemos que há algumas diferenças em relação aos outros sinóticos, “Mateus começa a narrativa da infância ecoando o livro do Gênesis: Abraão gerou Isaac. Lucas mergulha no mesmo primeiro livro bíblico, não denominando Abraão e Sara, mas evocando-os no retrato de Zacarias e Isabel – uma técnica semelhante a uma fotografia que passou por dupla exposição, de modo que uma série de imagens é vista através da outra” (BROWN, 2012, p. 331), vale destacar que o evangelista situa o tempo e o lugar dos acontecimentos, por exemplo, Zacarias era sacerdote, ele era da classe sacerdotal e estava no templo. Além disso, destaca-se que: “Nos dias de Herodes, rei da Judeia” (Lc 1,5), sem dúvida, é uma informação de quem governa para seus destinatários, pode-se perceber que isso se dá pela própria formação do evangelista, segundo a tradição ele era o médico que acompanhava Paulo em suas viagens missionárias, por isso a riqueza de detalhes tanto no Evangelho como nos Atos dos Apóstolos.

Os versículos 6 e 7 fazem uma pequena descrição de quem são Zacarias e Isabel, eles eram justos, seguiam os mandamentos e destaca que Isabel era estéril, isso na cultura judaica significa maldição, o que é o contrário da graça, a esterilidade era considerada desonra (Gn 30 30,23; 1Sm 1,5-8), e até castigo (2Sm 6,23; Os 9,11). Os filhos significavam a continuação da descendência do pai. Há que se observar que o anjo Gabriel, “que faz a anunciação, é nomeado no AT somente no livro de Daniel, que figurava mais ou menos no fim do cânone das Escrituras judaicas [...]. Em Daniel, como em Lucas, Gabriel aparece no momento da oração litúrgica” (BROWN, 2012, p. 331), nota-se isso nos v.8-10 quando o evangelista narra que, “ao desempenhar as funções sacerdotais diante de Deus, no turno de sua classe, coube-lhe por sorte, conforme o costume sacerdotal, entrar no Santuário do Senhor para oferecer incenso. Toda a assembleia do povo estava fora, em oração na hora do incenso”. A figura de João Batista é associada há alguns escritos e personagens do AT, pois ele “fará o papel de Elias (Lc 1,17), aquele que, consoante o último livro profético (Ml 3,23-24) [ou 4,5-6], será enviado antes do Dia do Senhor” (BROWN, 2012, p. 332), ele vai aplainar os caminhos do Senhor, “após o anúncio de Zacarias, que abre o evangelho (1,5-25), segue o anúncio a Maria (1-26-38). No primeiro quadro, Deus agracia o homem, no segundo, uma mulher. É o mesmo anjo Gabriel, que, aparecendo em 1,19 e em 1,26 aos dois personagens, transmite a boa nova do futuro nascimento das duas crianças” (CASALEGNO, 2003, p. 58).

Ao falarmos sobre a Anunciação do anjo Gabriel à Virgem Maria, percebemos alguns dados importantes para o estudo bíblico, porque “se o anúncio da concepção de João Batista traz à lembrança aquilo que aconteceu em Israel, a anunciação do nascimento de Jesus leva a um grau maior a novidade que Deus já começou a realizar. O anjo Gabriel aparece agora não a pais idosos, desesperados por um filho, mas a uma virgem, totalmente surpreendida pela ideia da concepção” (BROWN, 2012, p. 332), Maria é uma virgem prometida em casamento a José, que era casa de Davi, Maria estava “prometida”, com o vínculo legal dos esponsais, mas sem ter celebrado ainda o casamento, começo da coabitação.

Esse anúncio é importantíssimo, pois a encarnação é o cumprimento da promessa de Deus dentro da História da Salvação, Jesus é o Filho de Deus, é o enviado do Pai, o qual nasce por meio seio puríssimo de Maria, “a concepção não se realizará por geração humana, mas pelo Espírito criador de Deus, que cobrirá a virgem com sua sombra, o Espírito que trouxe ao mundo a existência (Gn 1,2; Sl 104,30)” (BROWN, 2012, 332), o Espírito Santo é o dinamismo de Deus criador e recriador, Maria é coberta pelo Espírito e cheia da graça de Deus, “a criança que vai nascer é objeto de dupla proclamação evangélica. Em primeiro lugar, as expectativas de Israel tornar-se-ão realidade, pois a criança será o Messias davídico.

Gabriel anuncia isso em Lc 1,32-33, evocando a promessa profética a Davi, que era o fundamento de tal expectativa (2Sm 7,9.13.14.16). Em segundo lugar, a criança ultrapassará tais esperanças, pois será o único Filho de Deus, revestido do poder do Espírito Santo” (BROWN, 2012, p. 332), o anunciado se chamará Jesus, que significa “Deus salva”, é descendente de Davi (2Sm 7; Is 11,1), herdeiro do trono de Davi (Jr 23,5), será chamado Filho do Altíssimo (2Sm 7,14; Sl 2,7; 89,27-28), seu reinado não terá fim (IS 9,6; Sl 72,5; 89,37; Mq 4,7), pode-se notar com isso que todas as profecias convergem para a pessoa de Jesus Cristo.

O relato da anunciação é muito importante pois “o anjo anuncia o evangelho da dupla identidade de Jesus, filho de Davi e Filho de Deus, e Maria torna-se a primeira discípula” (BROWN, 2012, p. 332). Sem dúvida, o anjo faz um resumo da Cristologia afirmando que na pessoa de Jesus há duas naturezas, humana e divina, ademais a maternidade de Maria será obra do Espírito Santo (Lc 1,35). É interessante observar que diferentemente do anúncio de João Batista, o anúncio do nascimento do Messias não se dá no templo, mas numa pequena cidade da Galileia, chamada Nazaré (Lc 1,26), isso significa que a salvação de Deus chega a partir de um lugar humilde, fora das grandes instituições religiosas de Israel, Maria por causa de sua obediência à Palavra de Deus, é apresentada como protótipo ideal do crente. Há outros detalhes importantes que podem ser ressaltados: “Na narração lucana da infância, [...] o evangelista dá maior ênfase ao nascimento de Jesus, que ocupa vinte versículos. E, ao contrário, insiste sobre o episódio da circuncisão do Batista, só acenando à circuncisão de Jesus” (CASALEGNO, 2003, p. 59).

 

2. O MAGNIFICAT (Lc 1,46-55)

O episódio que antecede o magnificat é a Visita de Maria à sua prima Isabel (Lc 1,39-45), “que apresenta o encontro das duas mulheres, Maria e Isabel. Também as duas crianças, que estão ainda no seio das mães, se encontram. Com efeito, quando Isabel ouve a saudação de Maria, que traz em seu seio Jesus, ‘a criança lhe estremeceu no ventre’ (1,56)” (CASALEGNO, 2003, p. 58).

Somente em Lc está narrado este cântico de Maria, a respeito dele e dos outros presentes neste evangelho, estes “refletem o estilo da hinologia judaica contemporânea [...], os cânticos complementam o tema da promessa/cumprimento das narrativas da infância. (Além disso, o Magnificat segue nitidamente o padrão do hino de Ana, a mãe de Samuel, em 1Sm 2,1-10). A cristologia é indireta, proclamando que Deus realizou algo definitivo [...]. O Magnificat pronunciado por Maria, a primeira discípula, é especialmente significativo porque, tendo ela ouvido que seu filho seria filho de Davi e filho de Deus, traduz isso em boas notícias para os pequenos e famintos, bem como os ‘ais’ contra os poderosos e ricos” (BROWN, 2012, p. 335-336), vale lembrar que no Ev. de Lucas a figura dos pobres é recorrente, assim como a figura do Espírito Santo. Maria dirige seu louvor para Deus, que fez tudo em favor de seu povo, ela é a “serva” que representa Israel, percebemos que o Magnificat tem um puro estilo bíblico, cheio de citações e se recorda muito do AT.

É interessante ver que o Magnificat, sem dúvida, aproxima-se e muito do cântico de Ana (1Sm 2,1-10), porque retoma-se o tema da maternidade, a santidade de Deus, que é o Deus de Israel, entre outras temáticas. O Magnificat está dividido em duas partes, “a primeira é uma ação de graças pessoal de Maria. Apesar da humildade e pobreza de sua vida. Deus colocou o seu olhar nela e, por isso, será chamada bem-aventurada. Deus se serve muitas vezes dos simples e humildes para tornar presente a sua salvação na história humana. A segunda parte do canto, expressa, pela boca de Maria, a ação de graças do povo de Israel. Todas as promessas dadas a Abraão e seus descendentes no momento que a criança irá nascer” (OPORTO; GARCÍA, 2006, p. 190).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao fazer esta reflexão numa perspectiva mais bíblica percebemos que o mistério da Encarnação é fruto de uma preparação desde o Antigo Testamento e que com o “sim” de Maria torna-se causa de alegria no céu e na terra, a qual proclama alegre seu Magnificat agradecendo pela Misericórdia ao longo da História da Salvação. Na nossa vida de fé devemos aprender a ser obedientes à vontade de Deus em todas as circunstâncias de nossa caminhada, seja nas alegrias como nas adversidades, sem dúvida, o dom da fé é fundamental. Portanto, que nesse mês mariano possamos crescer no conhecimento acerca da Virgem Maria para assim melhor amá-la, de forma que por meio dela possamos nos aproximar de seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AUNEAU, J. [et al.]. Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos. In: Evangelhos sinóticos e Atos dos Apóstolos. Trad. M. Cecília de M. Duprat. São Paulo: Paulinas, 1985. Cap. IV, p. 201-268.

 

BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2013.

 

CASALEGNO, Alberto. Lucas: a caminho com Jesus missionário. São Paulo: Edições Loyola, 2003.

 

BROW, Raymond E. Introdução ao Novo Testamento. Trad. Paulo F. Valério. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 2012 – (Coleção Bíblia e História: série maior).

 

OPORTO, Santiago Guijarro; GARCÍA, Miguel Salvador. Comentário ao Novo Testamento. Trad. Alceu Luiz Orso. São Paulo: Editora Ave-Maria, 2006.

 

SCHÖKEL, Luís Alonso. Bíblia do Peregrino. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2006.


O autor do artigo é natural de Ponta de Pedras. Seminarista da Diocese de Ponta de Pedras. Bacharel em Filosofia pela Faculdade Católica de Belém – FACBEL, atualmente Bacharelando do Curso de Teologia pela Faculdade Católica de Belém – FACBEL.

Comentários

  1. Muito bom. Parabéns

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  2. parabéns Rubens, vc colocou uma explanação da vida , já não mas dos personagens bíblicos , mas de nós mesmos como cristãos em vista do anúncio do reino assim como nossa vida e

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  3. Muito bom, parabéns pelas palavras sobre a figura de Maria. Deus abençoe você Rubens.

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  4. Parabéns irmão, toda a verdade que você afirma acima, nos ajuda ainda mais para conhecermos, vivermos a Palavra de Deus encarnada no seio de Maria nossa mãe. Muito obrigado pela partilha és um homem de fé.

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  5. "a encarnação é o cumprimento da promessa de Deus dentro da História da Salvação, Jesus é o Filho de Deus, é o enviado do Pai, o qual nasce por meio seio puríssimo de Maria"
    Perfeito a colocação, parabéns!

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