Distúrbios emocionais em tempos de pandemia




Por: Pe. Antonio Cardoso

 Como podemos nos cuidar – uma proposta à luz da fé.

Nestes tempos de pandemia que estamos vivenciando é comum ouvirmos os relatos das pessoas quanto aos seus sentimentos de medo, desespero, ansiedade e até mesmo de quadros depressivos.

Nós mesmos, ao nos observarmos, percebemos que vivemos em constante estado de tensão com a possibilidade de sermos contaminados pelo vírus, ou nossos familiares, amigos e conhecidos.

Quando isso acontece, a tendência é que o nosso nível de tensão aumente mais. E pode se elevar ainda mais ao tomarmos conhecimento do estado grave de alguém ou de sua morte, em consequência do vírus. Geralmente este elevado nível de tensão causa dor de cabeça, dor no estômago, estado febril, dentre outros, o que complica ainda mais a situação, porque a qualquer sintoma já achamos que estamos contaminados.

Estamos tão focados nesta pandemia que, ao sabermos da morte de alguém, já perguntamos automaticamente se a pessoa morreu de covid. Se a causa da morte for uma outra doença, parece que isso nos dá um alívio. A morte neste caso, não nos assusta tanto e parece que é mais justificável.

O que me proponho a abordar neste texto é particularmente o aumento da tensão nervosa que toma conta de nós nestes tempos, relacionado a um estado depressivo que, ao que parece tem se elevado muito entre todas as classes sociais, faixas etárias, etc.

Esta questão da depressão é muito mais abrangente do que este tempo de pandemia. Muito se fala hoje de depressão como “mal do século”. Este termo já era utilizado no século XIX e até inspirou poetas românticos como George Gordon (1788-1824) mais conhecido como Lord Byron, a abordar em suas obras sentimentos como: mal-estar, desajuste, solidão, desencanto e tédio. Tal tendência acaba tornando-se um estilo literário.

O poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867) representa bem este espírito nos versos de “A Morte dos Pobres”. Eis um pequeno trecho:

“A Morte é que consola e nos faz viver.

É o alvo desta vida e a única esperança.

Que, como elixir, nos dá fé e confiança...

Portanto, diante da realidade difícil que nós vivemos, pelas notícias catastróficas que os meios de comunicação divulgam a toda hora e nas quais estão inseridos os interesses pessoais e políticos, e pelos compartilhamentos nas redes sociais, dentre outros fatores, podemos também correr o risco de começarmos a desenvolver uma personalidade doentia, marcada por um estado depressivo.

Calcula-se que 340 milhões de pessoas no mundo sofrem de depressão, o que faz dela, de acordo com alguns estudos, a segunda causa de incapacidade para o trabalho, ficando atrás apenas das doenças cardíacas.

Depressão origina-se do termo latino depressione e pode significar abaixamento do nível de pressão ou peso, ou ainda por distúrbio que se caracteriza por cansaço, desânimo, alteração do estado de humor, tristeza interna, abatimento profundo com desinteresse pelas coisas e, muitas vezes, por acesso de ansiedade em graus diversos.

Num contexto mais biológico, deprimidos são pessoas que apresentam distúrbios na regulação de um neurotransmissor denominado serotonina. E neste sentido, o tratamento indicado para a depressão é através de medicamentos antidepressivos receitados por um profissional da medicina, particularmente, um psiquiatra. Acompanhamento psicológico também é importante.

Mas, o que levaria tantas pessoas a entrarem num quadro depressivo? Não se pode minimizar o problema de uma pessoa que experimenta uma situação como essa, simplesmente utilizando termos pejorativos do tipo de “frescura”, entre outros. Só quem já passou por uma experiência depressiva sabe o quão doloroso é este processo.

Há de se destacar, no entanto, que atualmente vivemos na chamada sociedade do bem estar absoluto. Hoje, ao que parece, não sabemos lidar com o sofrimento. O ideal do ser humano é manter-se constante o tempo todo, sem alterações de humor.  Ao menor sentimento de dor, de desprazer, parece que nos desestruturamos completamente. Quantas realidades de sofrimento a humanidade já atravessou: pestes, guerras, catástrofes naturais. Quem viveu na Europa no tempo da 2ª Guerra Mundial, com certeza experimentou uma situação muito pior do que nós enfrentamos atualmente.

Mas o que fazer para lidar com esta realidade de sofrimento que vivenciamos? A realidade em si não pode ser mudada. Se estamos no meio da baia e deparamo-nos com uma tempestade, não temos como fugir dela. Mas alguns procedimentos podem ser tomados para que não pereçamos na tempestade. E esses procedimentos geralmente estão relacionados à ação e à oração. Daí que nosso objetivo seja apresentar uma proposta à luz da fé.

Neste sentido, quero propor que busquemos inspiração na experiência dos monges. Nos primeiros séculos do Cristianismo, muitos homens, para fugir da condição pecaminosa dos centros urbanos e para fazer uma profunda experiência com Deus, se retiraram para o deserto.

Dentre esses homens, destaca-se a figura de Evágrio Pôntico (345-399) que deu sua contribuição ao traçar aquilo que ele denominava de “doenças espirituais” e que depois adaptados ao ocidente deu origem ao que se chamou como os 7 pecados capitais.

Nesta relação de pecados capitais destaca-se aquele que se denomina de acídia, que se costuma traduzir de uma maneira muito simplória pelo senso comum como “preguiça”. Acídia, porém, no contexto das chamadas “doenças espirituais” corresponderia a um estado depressivo.

Para os anacoretas dos desertos da Síria e do Egito, a acídia era um demônio. O chamado “demônio do meio-dia”. Ele inspiraria o monge a manter os olhos fixos na janela, fora de sua cela, observando o sol para ver se ele está longe da hora nona, isto é, das 3 horas da tarde. Ele (o demônio) inspira a aversão pelo lugar onde o monge se encontra, pelo seu modo de vida e pelo trabalho manual.

Além disso, o demônio da acídia provoca a ideia de que a caridade desapareceu e que ninguém poderá consolar-lhe. O demônio da acídia usa todas as suas forças para que o monge abandone sua cela e fuja.

Santo Tomás de Aquino (1227-1274) caracterizou a acídia como se tratando de “uma tristeza devastadora que produz no espírito do homem uma depressão tal que ele não tem mais vontade de fazer nada. A acídia é um desgosto pela ação.

Eu arriscaria ainda estabelecer um conceito pessoal sobre depressão, dizendo que esta é fruto de uma situação experimentada pelo indivíduo que não lhe é aceitável e, por isso, é reprimida. Tornando-se desta forma, um grande embate entre a realidade tal como ela é e a idealização que eu tenho do fato.

Acho interessante esta experiência dos monges para falar aqui de depressão ou transtornos emocionais em tempos de pandemia, porque eles não foram homens que simplesmente fugiram para o deserto para não se contaminarem com os prazeres carnais, como se costuma pensar e falar.

Os monges, na verdade, travaram árduas batalhas contra si mesmos ou contra aquilo que denominavam como demônios, para poderem atingir um nível de equilíbrio emocional e psicológico que lhes assegurassem uma paz interior, um verdadeiro encontro com Deus. O depressivo, o ansioso, o medroso, o desesperado, sem deixar de levar em conta as orientações e prescrições dos profissionais da área, precisa também empreender uma batalha desta natureza para se livrar da situação.

Dentre os grandes Mestres da Espiritualidade Monacal, destaca-se a figura de São Bento de Núrsia, o pai do monaquismo ocidental, que, ao sistematizar a sua regra de vida para os monges, apresenta uma fórmula que acredito ser muito simples e muito eficaz para vencermos o medo, a ansiedade e um possível quadro depressivo.

Muitos já ouviram falar da famosa frase ora et labora (oração e trabalho). São Bento, acredito eu, entendeu que a junção destes dois elementos seria uma combinação perfeita para superar a acídia. E na contemporaneidade, podem ser muito bem utilizados para combater a ansiedade e a depressão. O que uma mente vazia, sem Deus, e um corpo inerte pode produzir de bom?

Nestes tempos, saímos de nossas atividades corriqueiras, dos nossos encontros divertidos com parentes e amigos, porque estamos no meio de uma tempestade. O que fazer para superar o medo, o desespero, a angústia, a depressão. Talvez esteja aí uma proposta para o nosso “reinventar-se” ORA ET LABORA. Pensemos nisso.


O autor do artigo é sacerdote da Diocese de Ponta de Pedras. Graduado em filosofia e teologia pelo antigo Instituto Regional de Formação Presbiteral (IRFP N2) e em psicologia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Atualmente exerce o ofício de vigário geral e reitor do Seminário Maior Nossa Senhora da Assunção.


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